Há
cerca de 16 anos eu iniciava o ciclo prático do Curso de Fisioterapia do Centro
Universitário de Caratinga. Era, na época, uma instituição privada de grande
prestígio junto aos Conselhos de classe devido à proposta curricular inovadora
– sobretudo o modelo de internato rural – e um corpo docente bastante
qualificado. O currículo era dividido em níveis de complexidade, com início no
conteúdo básico e progressão pelo ciclo específico, profissional e prático. Na
teoria, o aluno aprendia os conteúdos isoladamente para depois, no estágio
supervisionado, juntar e organizar o seu raciocínio clínico. Na prática,
assume-se que o aluno é um depositário de conhecimento, um “caixa eletrônico do
saber”, que poderá ser resgatado na hora oportuna.
Dos
idos anos 1990, observa-se que avançamos pouco em termos curriculares. Pouco ou
nada se discute a respeito dessa estrutura fragmentada, reducionista,
organicista, centrada no modelo biomédico. A Medicina que nada quer com o
biomédico, já reconheceu o problema e avançou para uma reformulação das suas
diretrizes curriculares. Nós não!
Aqueles
mais afeitos ao fisiologismo profissional poderão contra argumentar: mas nossa profissão ganhou muito reconhecimento
nos últimos anos, estamos trabalhando bem. Não discordo, avançamos muito
como profissão nas últimas décadas. Mas, por que nossa abordagem não beneficia
a todos os clientes igualmente? O que explica uma terapêutica ter sucesso com
uns e outros não? Recentes revisões têm chamado a atenção para a baixa eficácia dos nossos protocolos de
reabilitação.
Eu
penso que uma chave para essa resposta é o modo como vemos a pessoa com
incapacidade. Ao reproduzir velhos hábitos, focalizamos nossos esforços em ressaltar deficiências e supomos
que, tratando-as, melhoramos linearmente as limitações funcionais dessa pessoa.
Me
permitam exemplificar: recentemente, acompanhei uma estagiária durante a
avaliação em uma pessoa com queixas de dor lombar. Entre outras questões,
comentei com a cliente que era importante ela perder peso (sim, ela tinha sobrepeso)
para não sobrecarregar as estruturas corporais e aumentar a chance de sucesso com
a reabilitação. A estagiária logo se apressou em informar que já tinha feito
essa orientação. Diante das limitações socioeconômicas da cliente, perguntei se
não seria possível viabilizar uma consulta na clínica universitária de
nutrição, localizada bem ao lado da clínica escola de fisioterapia. A
estagiária, provavelmente preocupada na nobre arte de fazer “fisioterapia”,
respondeu negativamente e diante da minha insistência, informou que não teria
tempo para isso, mas que já tinha passado todas as orientações para esse fim.
Essa
estagiária está olhando para a deficiência ou a pessoa? Há clientes que podem
se beneficiar com apenas uma orientação a ponto de modificar o seu
comportamento, mas as diferenças individuais nos sugerem que cada pessoa reage
de maneira diferente, necessitando, portanto, de abordagens diferenciadas. De
quem é a culpa desse estrabismo reflexivo? Na minha opinião, a estagiária é a
menos culpada. Enquanto não compreendermos (e orientarmos nossos alunos) que a
incapacidade não é uma característica da pessoa, mas uma interação entre essa
pessoa e o ambiente onde ela cresceu e vive, temos de assumir parte dessa
culpa. Se avaliamos apenas deficiências, não há como descrever a interação
entre os diferentes domínios que compõem o processo de
funcionalidade-incapacidade.
Seremos, um dia, eficientes e eficazes?
Se
você acha que precisamos avançar nas questões acima, comente. Qual a sua
opinião? Compartilhe conosco.
Eu penso que seremos sim, eficientes e eficazes em nossa prática clínica a medida que discussões como essa sejam salientadas com nossos professores ou colegas acadêmicos. Se a partir dos primeiros contatos com os pacientes formos capazes de conceber funcionalidade como indicador de saúde e compreender os indivíduos com suas limitações de uma forma verdadeiramente ampla e multifacetada, podemos ir (aos poucos) transformando a realidade da fisioterapia no nosso município, no nosso estado e no Brasil como um todo. Acho que um dos caminhos para isso é esse ai professor, através do fomento de questões como essa e exemplos práticos do dia-a-dia.
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