quarta-feira, 1 de junho de 2016

Eficiência e (ou) Eficácia?



Há cerca de 16 anos eu iniciava o ciclo prático do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário de Caratinga. Era, na época, uma instituição privada de grande prestígio junto aos Conselhos de classe devido à proposta curricular inovadora – sobretudo o modelo de internato rural – e um corpo docente bastante qualificado. O currículo era dividido em níveis de complexidade, com início no conteúdo básico e progressão pelo ciclo específico, profissional e prático. Na teoria, o aluno aprendia os conteúdos isoladamente para depois, no estágio supervisionado, juntar e organizar o seu raciocínio clínico. Na prática, assume-se que o aluno é um depositário de conhecimento, um “caixa eletrônico do saber”, que poderá ser resgatado na hora oportuna.
Dos idos anos 1990, observa-se que avançamos pouco em termos curriculares. Pouco ou nada se discute a respeito dessa estrutura fragmentada, reducionista, organicista, centrada no modelo biomédico. A Medicina que nada quer com o biomédico, já reconheceu o problema e avançou para uma reformulação das suas diretrizes curriculares. Nós não!
Aqueles mais afeitos ao fisiologismo profissional poderão contra argumentar: mas nossa profissão ganhou muito reconhecimento nos últimos anos, estamos trabalhando bem. Não discordo, avançamos muito como profissão nas últimas décadas. Mas, por que nossa abordagem não beneficia a todos os clientes igualmente? O que explica uma terapêutica ter sucesso com uns e outros não? Recentes revisões têm chamado a atenção para a baixa eficácia dos nossos protocolos de reabilitação.
Eu penso que uma chave para essa resposta é o modo como vemos a pessoa com incapacidade. Ao reproduzir velhos hábitos, focalizamos nossos esforços em ressaltar deficiências e supomos que, tratando-as, melhoramos linearmente as limitações funcionais dessa pessoa.
Me permitam exemplificar: recentemente, acompanhei uma estagiária durante a avaliação em uma pessoa com queixas de dor lombar. Entre outras questões, comentei com a cliente que era importante ela perder peso (sim, ela tinha sobrepeso) para não sobrecarregar as estruturas corporais e aumentar a chance de sucesso com a reabilitação. A estagiária logo se apressou em informar que já tinha feito essa orientação. Diante das limitações socioeconômicas da cliente, perguntei se não seria possível viabilizar uma consulta na clínica universitária de nutrição, localizada bem ao lado da clínica escola de fisioterapia. A estagiária, provavelmente preocupada na nobre arte de fazer “fisioterapia”, respondeu negativamente e diante da minha insistência, informou que não teria tempo para isso, mas que já tinha passado todas as orientações para esse fim.
Essa estagiária está olhando para a deficiência ou a pessoa? Há clientes que podem se beneficiar com apenas uma orientação a ponto de modificar o seu comportamento, mas as diferenças individuais nos sugerem que cada pessoa reage de maneira diferente, necessitando, portanto, de abordagens diferenciadas. De quem é a culpa desse estrabismo reflexivo? Na minha opinião, a estagiária é a menos culpada. Enquanto não compreendermos (e orientarmos nossos alunos) que a incapacidade não é uma característica da pessoa, mas uma interação entre essa pessoa e o ambiente onde ela cresceu e vive, temos de assumir parte dessa culpa. Se avaliamos apenas deficiências, não há como descrever a interação entre os diferentes domínios que compõem o processo de funcionalidade-incapacidade.
Seremos, um dia, eficientes e eficazes? 

Se você acha que precisamos avançar nas questões acima, comente. Qual a sua opinião? Compartilhe conosco.

Um comentário:
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  1. Eu penso que seremos sim, eficientes e eficazes em nossa prática clínica a medida que discussões como essa sejam salientadas com nossos professores ou colegas acadêmicos. Se a partir dos primeiros contatos com os pacientes formos capazes de conceber funcionalidade como indicador de saúde e compreender os indivíduos com suas limitações de uma forma verdadeiramente ampla e multifacetada, podemos ir (aos poucos) transformando a realidade da fisioterapia no nosso município, no nosso estado e no Brasil como um todo. Acho que um dos caminhos para isso é esse ai professor, através do fomento de questões como essa e exemplos práticos do dia-a-dia.

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