Reproduzo abaixo, na íntegra, um texto muito interessante do
Leonardo Sakamoto (16/06/2016).
Esta notícia é para você, caro amigo trabalhador, cara amiga
trabalhadora, que abraçou patos amarelos, chamando-os de amigos, e
acreditou no conto de que basta derrubar uma péssima presidente e um
governo incompetente para o Brasil virar um lugar com rios de onde fluem
leite e mel, cheio de unicórnios fofinhos e potes de ouro no final de
arco-íris.
Durante um rega-bofe com a nata do empresariado, em São Paulo, nesta quinta (16),
o ministro-chefe da Casa Civil Eliseu Padilha foi ovacionado ao defender que o país precisa “caminhar no rumo da terceirização'', explicando que o projeto que permite isso deve ser votado com rapidez no Congresso Nacional.
Pergunta: Por que os empresários bateram palminhas?
Alternativas:
a)
Porque eles acham importante que os trabalhadores que já
estão terceirizados conforme a lei atual possam ter mais direitos
garantidos?
b) Porque poderão economizar demitindo empregados
contratados conforme regime CLT e terceirizar, seja com profissionais
que possuem suas próprias empresas individuais e não contam com os
mesmos direitos, apesar de baterem ponto todos os dias (os chamados
PJs), seja com cooperativas ou empresas menores que, não raro, contratam
trabalhadores de forma precária e sem os mesmos direitos.
Se você optou pela alternativa “a'', volte duas casas e abrace novamente o pato. Você merece.
Se optou pela alternativa “b'', parabéns: você é consciente de que aquilo que chama de direitos trabalhistas está por um fio.
Mas
tudo bem! O importante é que, agora, ninguém segura esse Brasil, não é
mesmo? Afinal de contas, todos têm que dar o seu quinhão de sacrifício
em nome do crescimento do país e você está preparado para abrir mão da
dignidade (conquistada com base em sangue e lágrimas por gerações antes
de você) para que setores do empresariado nacional e internacional não
precisem passar por atrocidades como taxação de seus lucros e
dividendos. Pois você é do tipo que concorda que primeiro temos que
fazer o bolo crescer para depois dividi-lo.
Olha, sugiro que pegue
uma senha. Porque tem trabalhador que deu o lombo para a última
ditadura promover seu “milagre econômico'' e está na fila até hoje
pelo seu pedaço. Só que, até agora, recebeu migalhas.
Parte do
empresariado que apoiou o impeachment quer um ambiente de negócios mais
“amigável'' ao crescimento econômico, sem subir impostos ou morder seus
lucros. Com isso, a precarização de direitos dos trabalhadores está
posta na mesa como única alternativa.
Algumas das forças políticas
que dão sustentação ao governo Michel Temer estão pressionando por mais
“flexibilidade'', menos regulação estatal, menos intervenção do Estado e
mais liberdade entre as partes, patrões e empregados, na hora de
contratar. Mudanças são bem vindas se podem melhorar a vida de ambos os
lados, mas devem ser discutidas e evitadas se fragilizam ainda mais os
mais fracos.
Que é o caso do projeto do qual falou Eliseu Padilha
(PL 4330/2004), que amplia a terceirização e legaliza a contratação de
prestadoras de serviços para executarem as atividades para as quais as
empresas foram constituídas (atividades-fim) e não apenas serviços
secundários, como é hoje.
Isso levará a um comprometimento
significativo dos direitos trabalhistas, com perda de massa salarial e
de segurança para o trabalhador. Situações que hoje oprimem certas
categorias podem ser universalizadas e o Judiciário não terá condições
de processar e julgar todas as ações trabalhistas. No limite, poderemos
ter novos protestos sociais, quando milhões de trabalhadores perceberem
que perderam salários e garantias e nem mesmo podem reclamar com o
patrão.
Se ele for aprovado, teremos grandes empresas, que
concentram todos os lucros e nenhum empregado, e uma constelação de
empresas sem qualquer lastro financeiro ou independência, mas com todos
os empregados. Periodicamente, tais empresas encerram as portas,
deixando para trás enorme passivo, gerando avalanches de reclamações
trabalhistas.
No médio prazo, isso tende a rebaixar salários
médios em todos os setores. Estudo do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que, em média um
trabalhador terceirizado trabalha três horas a mais por semana e ganha
27% menos que um empregado direto.
As relações deixam de ser entre
patrões e empregados, previstas e tratadas pelo direito do trabalho, e
serão entre empresas e empresas pessoais (“pejotização''), como se ambas
fossem livres e iguais entre si. Hoje, isso já acontece aos montes,
apesar de ser proibido, pois os trabalhadores temem reclamar e perder o
serviço ou entrar em alguma “lista suja'' do setor.
Pelo projeto, a
empresa contratante deve arcar com os direitos trabalhistas dos
empregados da contratada quando esta não for capaz. Na prática, pelo que
já acontece, isso terá que ser resolvido na Justiça – se e quando o
trabalhador decidir reclamar. E no caso de trabalho análogo ao de
escravo, em que muitas fazendas e empresas se utilizam de cooperativas e
empresas fajutas em nome de prepostos para burlar direitos
trabalhistas, o projeto vai facilitar a impunidade das contratantes que,
no máximo, terão que bancar salários atrasados, mas sem punição pelos
escravos libertos.
Além do mais, isso tende a desorganizar ainda
mais a já caótica estrutura sindical. Empregados que estão no mesmo
estabelecimento, na mesma empresa, com grau de especialização muito
próximo, poderão integrar categorias diferentes. Também pode aumentar o
número de sindicatos de “aluguel'', situação estimulada pela
fragmentação e pelas fontes garantidas de renda para os dirigentes. Com
isso, diminuir a capacidade de articulação da classe trabalhadora.
Enfim, nada disso importa.
O que importa é vocês seguirem direitinho a frase de nosso líder Michel: “Não fale em crise, trabalhe''.