segunda-feira, 11 de julho de 2016

O quanto um ser humano consegue trabalhar? E o quanto é justo trabalhar?

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade, disse que o governo federal deve promover “medidas muito duras'' na Previdência Social e na legislação trabalhista para equilibrar as contas públicas. E citou como exemplo as reformas ocorridas na França, afirmando que, por lá, é permitido trabalhar até 80 horas por semana (na verdade, o limite máximo é de 48 horas, com horas-extras, podendo chegar a 60 em casos excepcionais com aval de autoridades).
A declaração foi dada após um encontro com Michel Temer e cerca de 100 empresários. Em nota, a CNI afirmou que seu presidente não defendeu o aumento da jornada.
Fico pensando o que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no interior do país, trabalha até não aguentar mais, recebendo um salário de fome, tendo que depender de programas de renda mínima para comprar o frango do aniversário do filho, quando vê na sua TV empresários culpando a jornada de trabalho, as leis trabalhistas e a Previdência Social pelas desgraças planetárias.
E, na sequência, vê notícias de bilhões desviados em escândalos de corrupção envolvendo políticos e empresários, como nas operações Lava Jato e a Zelotes.
Ou quando descobre que será ele, a xepa, que vai ter que ralar duro para tirar o Brasil da crise econômica porque os mais ricos não terão que pagar mais impostos por isso. Taxação de dividendos recebidos de empresas? Alteração decente na tabela do Imposto de Renda – criando alíquotas de 35% a 40% para cobrar mais de quem ganha muito e isentando a maior parte da classe média? Regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas? Aumento na taxação de grandes heranças? Auditoria da dívida pública?
Não, nunca! O que vocês pensam que isto aqui é? Uma democracia?
A CNI pede que o presidente interino estale o chicote – mas apenas nas costas dos trabalhadores. Michel responde com uma proposta que limita gastos públicos com educação e saúde. Mas também com o apoio a um projeto que autoriza a terceirização de todas atividades de uma empresa e a outro que fará com que o que é negociado entre patrões e trabalhadores fique acima do que está previsto na legislação, mesmo em prejuízo aos trabalhadores. E, como esquecer, com propostas para aumentar a idade mínima da aposentadoria para 65 anos (para quem já está no sistema) e 70 anos (aos que vão entrar). Vale lembrar que, no Maranhão, a expectativa de vida é de 66 anos.
Nesse momento, algumas dessas pessoas de frente para a sua TV velha sentem-se otárias, engolem o choro da raiva ou da frustração de ganharem como um passarinho, apesar de trabalharem como um camelo, e torcem para a novela começar rápido e poderem, enfim, ver outra tragédia. Não porque precisam se mostrarem fortes – eles sabem que são. Mas porque percebem que o país não é deles mesmo.
O desejo dos industriais representados pela fala de Andrade vai na direção oposta às demandas das centrais sindicais, que possuem, entre suas principais reivindicações, a redução da jornada de 44 para 40 horas semanas. A última redução ocorreu há 28 anos, na Constituição de 1988, quando caiu de 48 para 44 horas.
Aos catastrofistas de plantão: o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos calculou que uma jornada de 40 horas com manutenção de salário aumentaria os custos de produção em apenas 1,99%. O aumento na qualidade de vida do trabalhador, por outro lado, seria muito maior: mais tempo com a família, mais tempo para o lazer e o descanso, mais tempo para formação pessoal.
Há uma proposta de emenda constitucional que viabilizaria essa diminuição e também aumentaria de 50% para 75% o valor a ser acrescido na remuneração das horas extras. Ou seja, quer o empregado trabalhando mais? Que se pague (muito) bem por isso, pois eles estarão abrindo mão de sua qualidade de vida. Outros vão dizer que boa parte das empresas já opera com o chamado oito horas por dia, cinco dias por semana. Mas não todas. Principalmente em atividades rurais.
Mas se ficar decidido que o crescimento econômico é mais importante que a dignidade das pessoas, podemos – em um esforço da nação – revogar também a Lei Áurea.
Olha que ideia excelente para ser abraçada pelos empresários! Convenhamos que nunca conseguimos inserir em direitos a população libertada no final do século 19 e seus descendentes continuam a ser tratados como carne de segunda, a sofrer todo o tipo de preconceitos e a receber bem menos que os brancos pela mesma função, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. E isso iria ao encontro de um pedido empresarial de mão de obra barata e de uma das frases de caminhoneiro que nosso presidente interino mais gosta: “não fale de crise, trabalhe''.
Que tal?

sexta-feira, 1 de julho de 2016

As promessas do Pilates

Pilates é isso (menos, menos)

Por: IARA BIDERMAN DE SÃO PAULO
 
Tão bom quanto outros, o método dominou o mercado, caiu nas graças dos médicos e ganhou legiões de devotos - apesar de suas limitações e da proliferação de instrutores malformados.


Dor nas costas, barriga, sedentarismo? Seus problemas acabaram: faça pilates.
A propaganda do método desenvolvido pelo alemão Joseph Pilates (1883-1967) não é tão explícita assim, mas o pacote de benefícios colou no imaginário popular.
O sucesso é explicado por uma feliz combinação de fatores, a começar pelas qualidades da técnica. O pilates tem uma gama enorme de exercícios, adaptáveis a diversas condições físicas e objetivos, que organizam a postura e servem tanto para reabilitação quanto para a conquista de boa forma.
As qualidades foram incensadas por bonitos e famosos, atraindo investidores do mercado da malhação.
"No início da onda [do pilates], os equipamentos eram muito caros, então as empresas entraram com um marketing pesado para reforçar as vendas. Virou moda e se expandiu numa quantidade absurda", diz o fisioterapeuta carioca Leonardo Machado.
A moda não passou: iniciada há mais de dez anos, a curva de crescimento continua.
Segundo Léo Yamada, sócio do Grupo Metalife, que oferece aparelhos, consultoria e cursos de pilates, o negócio cresce 20% ao ano. "Nosso grupo, que abastece até 30% do mercado, está vendendo 5.000 estúdios por ano." Há cinco anos, o número de vendas girava em torno de 1.500, segundo ele.
A demanda também cresceu porque ficou fácil montar estúdio de pilates. "Com uma área pequena e investimento a partir de R$ 35 mil, a pessoa consegue começar seu negócio", afirma Yamada.
Com o crescimento rápido, vieram os efeitos colaterais. "Os estabelecimentos precisam de professores para 'começar ontem' e os profissionais têm que estar prontos 'amanhã' para trabalhar. Aí surge formação por vídeo, curso de final de semana...", diz Alice Becker, pioneira na formação de instrutores no Brasil e uma das criadoras da Aliança Brasileira de Pilates.
No Brasil, a profissão não é regulamentada, mas há padrões internacionais que servem para checar a qualificação do professor: ele deve ter feito um curso de 400 a 450 horas, incluindo aulas práticas com os aparelhos principais: trapézio, "reformer", cadeira e barril. Para saber, só perguntando ao professor onde ele se formou e se informando sobre a escola.
 
PÚBLICO DE RISCO
A formação deficiente é a primeira sombra no cenário maravilhoso atribuído ao método. "Todo mundo quer fazer achando que é indicado para tudo, sem avaliação, sem profissional habilitado. Esse pilates malfeito vai acabar queimando o filme do bom pilates", teme a fisioterapeuta Janaína Cintas, que tem especialização no método e em outras técnicas.
Por enquanto, o potencial do pilates faz o público apostar em suas vantagens. "O método é tão consistente que até quem não tem boa especialização faz algum sucesso, mantém seus alunos. Mas isso pode causar problemas", diz Alexandre Ohl, coordenador de pós-graduação em pilates na Unip (Universidade Paulista) e professor da Bodytech de São Paulo.
O risco aumenta porque justamente a população com problemas (dor na coluna, osteoporose, sedentária) é a mais atraída pelo método, que tem sido usado e indicado para tratar a saúde.
A advogada Luciana Serra Azul Guimarães, 38, estava havia cinco anos parada, com dores lombares. "Estava certa de que o pilates era a opção ideal para mim", conta.
No primeiro estúdio em que foi, fez uma aula experimental e só não começou a prática por falta de horários. Sorte dela: uma avaliação com fisioterapeuta identificou que o seu problema seria agravado pelos exercícios de pilates.
"O método é utilizado para tratamentos de coluna, mas há casos em que pode aumentar a dor e agravar a lesão", diz o ortopedista Bruno de Biase, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Só depois de tratar seu problema com outras técnicas, Luciana foi liberada para fazer pilates.
"A proposta do pilates é interessante, mas começaram a oferecer mais do que podem dar: faça pilates e você não vai ter mais dor nas costas, vai ganhar a flexibilidade de um bailarino e o corpo da Madonna. As coisas não funcionam desse jeito", diz o fisioterapeuta Leonardo Machado.